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Valdei Junior
Valdei Junior11/05/2025 18:28
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Colapso na Programação? Inteligência Artificial, Contexto e Consequências

    Há poucos anos, a pandemia transformou não só nossa forma de viver, mas também nossa relação com o trabalho e a tecnologia. Com a explosão da demanda por soluções digitais, surgiu uma corrida por programadores e, com ela, uma avalanche de novos profissionais formados em tempo recorde, muitas vezes sem a base técnica sólida que a engenharia de software exige. Esse fenômeno, que abordei neste artigo “A era da programação de alto nível: segurança ou base fraca?”, pavimentou o caminho para uma nova fase: a da programação assistida ou até mesmo conduzida por inteligência artificial.

    Como chegamos aqui?

    Modelos de linguagem como GPT, Claude, Gemini, DeepSeek, Qwen e tantos outros começaram a ser treinados com bilhões de linhas de código disponíveis em repositórios públicos e projetos open-source. Há, claro, um debate ético importante sobre os limites desse tipo de treinamento: até que ponto isso fere direitos autorais ou ignora licenças de uso? Mas independentemente dessa questão, o fato é que essas IAs hoje ajudam (ou tentam ajudar) a programar.

    No entanto, há uma confusão recorrente: essas ferramentas não substituem programadores, pelo menos, não os verdadeiros engenheiros de software, gerar um trecho de código é fácil para elas. Difícil é tomar decisões estruturais, como escolher entre uma arquitetura monolítica ou hexagonal, aplicar design patterns com propósito, projetar uma API escalável, garantir separação de responsabilidades e prever manutenção a longo prazo. As LLMs ainda tropeçam quando a engenharia exige contexto, abstração e visão de longo prazo. Tome cuidado ao passar decisões estratégicas para uma LLM você pode estar contribuindo para um futuro colapso.

    O paradoxo do código gerado por IA

    Vivemos hoje um paradoxo curioso: usamos IAs para gerar código em busca de produtividade, mas esse código muitas vezes nasce sem explicação, sem base técnica clara e pior, sem padrão. Trechos copiados, mal-acoplados, sem testes, com más práticas estão continuamente sendo integrado a novos sistemas. Esses códigos, por estarem em projetos públicos, alimentam novamente os modelos, e seus processos de aprendizagem. Em outras palavras: a IA aprende com a bagunça que ela mesma ajudou a criar.

    Isso pode parecer exagero? Pense em projetos inteiros compostos por fragmentos incoerentes, com estilos distintos e sem coesão arquitetural, com o tempo, manter esse tipo de sistema pode se tornar tão custoso e caótico que reescrevê-lo do zero acaba sendo a solução mais viável. É o custo oculto da produtividade cega, pare e pense o quão complexo é convencer o time de gestão que refatorar é realmente necessário, imagine refazer projetos inteiros.

    Uma observação importante é que, dentro do desenvolvimento de inteligências artificiais, existe um fenômeno conhecido como overfitting. De forma resumida, ele ocorre quando o modelo se ajusta excessivamente aos dados de treinamento, perdendo sua capacidade de generalizar soluções para novos problemas. No contexto do uso de IA para geração de código, isso pode se manifestar como uma repetição constante de padrões pobres ou até mesmo na incapacidade da ferramenta de resolver problemas que ela própria ajudou a criar. Você pode tentar os prompts que quiser, mas, em certo momento, a IA insiste em retornar aos mesmos resultados inconsistentes. Quando isso acontece, talvez o problema não esteja na pergunta, mas sim na forma como estamos utilizando a tecnologia, reforçando um ciclo onde a falta de qualidade alimenta mais falta de qualidade.

    A escalada das janelas de contexto

    Não por acaso, as empresas vêm ampliando vertiginosamente as janelas de contexto de seus modelos, algumas já ultrapassam 1 milhão de tokens. Isso permite que a IA tenha uma visão mais ampla de um sistema inteiro, mantendo coerência entre múltiplos arquivos e etapas do projeto. Outro exemplo é o MCP (Multi-Agent Contextual Protocol), da Anthropic, que permite a colaboração coordenada entre agentes com papéis distintos, um para projetar, outro para codar, outro para testar e corrigir bugs, tudo de forma cíclica.

    Estamos chegando ao ponto em que um simples prompt poderá gerar, hospedar e testar um sistema completo. O Firebase Studio, por exemplo, já permite criar landing pages no chamado vibe coding, com base em intenção, não em estrutura. Isso é poderoso, mas também perigoso.

    Quem permanece?

    Muitos dizem que a IA vai substituir os desenvolvedores. Discordo. Ela vai filtrar quem fica na área de fato, saber programar superficialmente já não é o bastante. Entender a fundo arquitetura, padrões, ciclo de vida de software, trade-offs entre frameworks e estratégias de escalabilidade será o diferencial. Fora a nova habilidade que será necessária para manutenção dessas saladas de código, entender um legado será cada vez pior.

    Estamos à beira de um apagão técnico: teremos muitos “geradores de código”, mas poucos engenheiros capazes de sustentar os sistemas criados. E não me refiro ao jovem que "manja de lógica de programação". Refiro-me ao desenvolvedor que domina engenharia, sabe quando aplicar Repository Pattern, entende a importância da inversão de dependência, evita armadilhas como o God Object e escolhe stacks com base em estratégia, não em hype.

    O que vem aí?

    Ferramentas específicas para desenvolvedores já começam a surgir com preços bem acima da média (~$200), estamos falando de soluções voltadas para especialistas, não para entusiastas. E mesmo as plataformas low-code e SaaS simples, criadas por não desenvolvedores, estão se tornando vulneráveis e difíceis de manter. Quando o primeiro ataque cibernético vier, quem vai saber o que foi feito ali? Sim, não se engane, seu sistema pode e sofrerá algum tipo de ataque, postou na rede você estará sujeito a tal.

    IA como parceira, não substituta

    Sou um entusiasta de IA: uso, estudo e ensino sobre ela. E cada vez vejo mais claramente o padrão se consolidando. Os preços das ferramentas especializadas estão subindo, e quem depende delas para atuar na área vai acabar sentindo no bolso. Mesmo assim, não vejo a IA como substituta dos profissionais, mas sim como uma aliada poderosa — uma ferramenta amplificadora. Desde que você saiba como usá-la de fato. Você sabe criar um agente com uma tarefa específica? Já imaginou um fluxo de trabalho com múltiplos agentes colaborando como uma equipe completa? Um responsável pelo projeto, outro pela codificação, outro pelos testes, com o MCP coordenando o ciclo todo. E ainda um agente corretor de bugs recebendo feedbacks e ajustando o que for necessário. Isso não é futuro: já é realidade.

    Se você ainda não conhece esse cenário, recomendo com urgência que comece a estudá-lo. Do contrário, corre o risco de ser superado, não pela IA, mas por quem sabe utilizá-la com inteligência.

    Conclusão:

    A IA não vai destruir a profissão de desenvolvedor. Vai redefinir o que significa ser um. E, nesse novo cenário, conhecimento técnico profundo, visão arquitetural e capacidade de adaptação serão os verdadeiros diferenciais.

    A pergunta correta não é se você vai ser substituído pela IA, mas se você vai ser substituído por quem sabe extrair o máximo dela, em qual lado da história você quer estar.

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